quinta-feira, 4 de janeiro de 2007

O "coitado" do D. Afonso Henriques, um comentário de Joaquim Machado (*)

D. Afonso I, Rei de Portugal

Quanto ao (coitado) do D. Afonso Henriques, deixo aqui algumas notas que fui buscar ao sítio da RPT.


Só uma pergunta, alguem sabe o nome completo do rei?


"Pelo sonho é que vamos”, acreditava o poeta Sebastião da Gama. Quase 800 anos antes, D. Afonso Henriques também seguia um sonho e tornava-o realidade: construía Portugal.


Nasceu presumivelmente em Guimarães em 1111, uma data que já adivinhava algumas conquistas, como ser o primeiro rei de Portugal e o primeiro (e único, até hoje) a governar durante 57 anos, 45 dos quais com o título de rei. “Guimarães é isso mesmo: um marco. E Afonso Henriques, uma referência”, diz Fernando Seara, presidente da Câmara de Sintra e professor de Ciência Política.


Com a morte do pai, o conde D. Henrique de Borgonha, é deixado aos cuidados de um aio, de nome Egas Moniz. A mãe, D. Teresa, filha ilegítima do rei de Leão e Castela, governaria o Condado Portucalense até que atingisse a maioridade.


Afonso Henriques cedo aprendeu a subverter. Aos 14 anos, o infante armou-se cavaleiro na catedral de Zamora, em Espanha. Ali “tomou por suas próprias mãos, do altar de São Salvador, as armas militares e ali mesmo, no altar, as vestiu e cingiu […] Vestiu-se com a cota assim como Gigas, que era de grande corpulência, e cingiu-se com as suas armas de guerra”, segundo reza a “Crónica dos Godos” (textos realizados no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e citados pelo historiador Alfredo Pimenta). Nascia um mito.


De imediato, os fidalgos de Portucale fazem do infante o porta-estandarte da luta pela independência dos seus domínios face a Leão, que D. Teresa tinha iniciado. “Afonso Henriques era uma emanação de alguma coisa de colectivo que existia neste pequenino Portucale”, diz o cineasta Lauro António.


Durante a regência, a fidalga enamorou-se de um nobre galego, Fernão Peres de Trava, e cedeu-lhe o lugar na condução dos destinos do território. O objectivo do conde de Trava era simples: desposar D. Teresa e retirar ao filho desta o poder. Deu-se início a uma luta que só teve fim em São Mamede, perto de Guimarães, no ano de 1128. Afonso saiu vitorioso. Enfrentou tudo sem fragmento de temor. Parecia ter uma fé implícita nas reservas inesgotáveis do seu corpo. Teresa e Fernão saíram de cena. “Afonso Henriques é o homem que nos libertou, e a libertação é sempre um fenómeno de afirmação”, diz Fernando Seara. Ele é a prova de que tudo começa através do sonho de alguém.


Distraído com as questões com Castela, mal dá pelo ataque dos muçulmanos, que tinham tomado Leiria e Tomar e chegavam às portas de Coimbra. Para fazer-lhes frente, Afonso Henriques pede tréguas ao rei castelhano, fortifica o Sul do reino e parte para a guerra contra os muçulmanos. “Sabia o que queria da vida e não mandava os outros fazerem por ele”, lembra a escritora Ana Maria Magalhães.


É nos campos da alentejana terra de Ourique que cimenta a sua aura de “escolhido” por Deus. A batalha contra uma coligação de reis mouros deu-se no dia 25 de Julho, dia de Santiago, “o Matamouros”. Óptimo augúrio. No dia anterior, segundo a lenda, Jesus Cristo aparecera-lhe. O agouro passava a coisa certa. Apesar de o inimigo estar em superioridade numérica, do lado cristão estavam a fé e a certeza de ganhar. No final do dia, cinco reis mouros morreram às mãos do infante, aclamado rei pelas tropas. “Cinco escudos azuis esclarecidos / em sinal destes cinco reis vencidos”, canta Camões em “Os Lusíadas”. Explica assim a origem dos cinco escudos no brasão de Portugal.


Em 1143 D. Afonso Henriques dirige-se ao Papa Inocêncio II e declara Portugal tributário da Santa Sé. Um pagamento anual seria a contrapartida pela protecção pontifícia. O acordo é assinado em 5 de Outubro desse ano, em Zamora, por Afonso Henriques, seu primo Afonso VII, rei de Castela e Leão, e por um representante do Papa, o cardeal Guido de Vico. No entanto, é só em 1179 que o papa Alexandre III irá confirmar a soberania portuguesa. “O que somos deve-se, em primeira linha, à coragem e à determinação desse rei”, afirma Marcelo Rebelo de Sousa, professor catedrático da Universidade de Lisboa. “Avançar para aquilo que somos hoje foi a mais importante decisão que tomou.”


Já senhor dos seus domínios, D. Afonso Henriques casa com D. Mafalda de Sabóia, em 1146, e garante descendência. Dedica-se a alargar o território, reconquistando as terras tomadas pelos mouros. Em 1147 ocupa Santarém e Lisboa, cidade conquistada graças à ajuda de cruzados que seguiam para a Terra Santa. Afonso I de Portugal convencera-os de que a luta contra o infiel poderia ser feita em qualquer lado... E que o saque, sempre valioso, poderia servir de incentivo. Sucederam-se Palmela, Almada, Sintra, Beja, Évora, Moura, Serpa e Sesimbra. “Aos reis que se seguiram até D. Dinis, bastou andar no carro que D. Afonso Henriques deixou a trabalhar”, brinca António Sousa Cardoso, director-geral da Associação de Jovens Empresários.


Em 1169, com 60 anos, ao tentar tomar a cidade de Badajoz, fica ferido numa perna. Viveu mais 16 anos depois deste episódio. Só não se sabe o que restou da sua força e mobilidade. Actualmente, um conjunto de especialistas, que inclui antropólogos, geneticistas, médicos e historiadores, pretende analisar os restos mortais do primeiro rei de Portugal para comprovar não só este ferimento como outras maleitas de que terá sofrido, como a osteoporose. A tradição garante que seria alto e bem constituído - belo até. As novas tecnologias poderão confirmar a sua altura, mas não a fisionomia. Quando o túmulo for aberto - o que se julga estar para breve - algumas perguntas poderão ter resposta. Outras não. Mas é disso que se fazem os mitos, e Afonso Henriques sabia-o. “Foi rei, guerreiro e estadista. Mas foi, também, um ‘director de marketing’ absolutamente fantástico”, diz Leonor Pinhão, jornalista."

(*): Pai do Carlos.

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